Conheça a história do Beco do Batman

Conheça a história do Beco do Batman

Da viela sem nome ao hall of fame do graffiti, referências ao homem-morcego sempre fizeram parte do Beco do Batman

Beco passa a ser a casa do Batman e do graffiti

Beco do Batman

Por muitas décadas, a viela sem nome, ligando a rua Harmonia à Medeiros de Albuquerque, foi um local ermo e escuro, iluminada apenas pela lanterna dos poucos carros de moradores ou passantes esporádicos.

Para a molecada da região, já era, nas brincadeiras, uma referência à batcaverna. Para alguns vizinhos mais antigos, a região também não estava muito longe de parecer uma Gotham City. Isso porque nas décadas de 1950 e 1960, a Vila Madalena era uma região distante do centro e o Beco do Batman, um pedaço ainda mais periférico, com casas simples e esparsas, em meio ao mato.

Nos idos de 1970, alguns novos moradores foram chegando e os filhos dos antigos, nascendo. Na época, o local começou a ser conhecido por Imporbox, em referência a uma serralheria, produtora de boxes de acrílico com alumínio.

Localizada na esquina da rua Gonçalo Afonso com a Medeiros de Albuquerque, a empresa logo se tornou o point do vôlei da moçada. Uma grade do prédio se tornou rapidamente a rede de vôlei da turma. “Quatro ficavam para dentro do pátio e quatro para fora”, explica Flávio Pires, morador nascido no Beco. As famílias de seu avô paterno e do bisavô materno foram as primeiras a mudar para a localidade. “Sou morador raiz”, define.

Graffiti de João Nove (@digitalorganico)

No destaque, à direita, graffiti de João Nove (@digitalorganico), no muro da ZIV Gallery (@zivgallery)

Beco do futebol

Graffiti de Gatuno (@gatunoart), na galeria Alma da Rua (@galeriaalmadarua)

Por volta de 1975, quando Pires tinha 10 anos, o atual beco era chamado de “larguinho”, onde a moçada se encontrava durante o dia para jogar bola. “A gente colocava dois tijolos de cada lado e fazia os gols”, descreve o morador. “Jogávamos descalços no paralelepípedo e quantas  vezes não perdemos um  pedaço do dedo, chutando o chão”, lembra o primo de Pires, Marcelo Jacaré.

Ali, no larguinho, também eram comemoradas as copas do mundo de futebol, com pinturas no chão, muros e bandeirinhas por todo o lado. “Sem querer, começamos a cultura de pintar no Beco”, diz Pires.

À noite, o pessoal se deslocava para o murão da Medeiros, onde havia luz. Lá também era a escolha quando o jogo de futebol ficava maior.

Além de vôlei e futebol, no sábado, os jovens passavam horas lavando os possantes para  depois desfilar pelo bairro. Também rolavam paqueras, conversas regadas à música no murão, dar um pulinho no larguinho escuro para fumar escondido… Era tudo muito simples e feliz, inclusive as enchentes viravam brincadeira até que a diversão virou tragédia, com a morte de quatro dos meninos da turma.

As enchentes sempre foram comuns na região, a ponto de a meninada brincar de surf com prancha de isopor na enxurrada. O larguinho, sempre enchia, e não raro, crateras apareciam perto do murão, na Medeiros de Albuquerque, devido ao córrego do rio Verde, que como muitos cursos d’água correm por baixo das vias públicas em São Paulo, escondidos e canalizados.

Animados com o buraco, os jovens entravam na cratera, com vela e pizza nas mãos e caminhavam pelo interior das galerias pluviais, com água na altura da canela, passando por baixo do larguinho, ao lado do cemitério, em frente ao Beco do Aprendiz, seguindo até a rua Fradique Coutinho, de onde a passagem subterrânea vai para a av. Rebouças até desembocar no Rio Pinheiros. Tudo por baixo.

Em um domingo, Pires e o primo resolveram almoçar antes de ir com os amigos para as galerias. Os meninos, em geral com 10 anos, se anteciparam e entraram em uma cratera aberta com as chuvas fortes de dias anteriores. Infelizmente, a turma foi surpreendida por uma tromba d´água que começou em um bairro acima. Todos foram levados pela forte enxurrada e não se salvaram. “Foi uma tragédia noticiada em toda cidade”, lamenta Pires, um dos sobreviventes, porque foi almoçar primeiro na casa da avó.

Graffiti de Mag Magrela (@magmagrela), no bar Santa Madaloka (@santamadaloka_)

Do larguinho a polo artístico

Os anos passaram e estudantes da USP, frequentadores de bares como o Sujinho, foram chegando ao bairro, alugando casas e tornando o local um polo artístico e cultural. Nas décadas de 1980 e 1990, a Vila Madalena também chamou atenção de artistas como Zé Carratu e seu grupo, o Tupinaodá, o primeiro coletivo de arte urbana do Brasil.

Alex Vallauri, o pioneiro do graffiti no Brasil, e os integrantes do Tupinaodá foram os primeiros a grafitar o beco, na transição do larguinho de futebol, para o “hall of fame” do graffiti em São Paulo. “Éramos artistas de rua, não grafiteiros, esse nome não existia ainda”, aponta Carratu. “A gente pintava a Vila Madalena inteira.”

Ainda não existia o famoso Batman, feito em estêncil, localizado em uma parede à direita da viela, vindo da rua Harmonia, em uma inclinação, antes de chegar ao larguinho, descreve Carratu, por telefone.

Um dos desenhos do Tupinaodá, no beco, estampou o álbum “Na calada da noite”, do Barão Vermelho, lançado em 1990. Antes do Batman, uma imagem do Spirit, dos quadrinhos, também foi feito por lá por Júlio Barreto, recorda-se Carratu.

Graffiti de Chermie Ferreira (@ruido.das.aguas) no Beco do Batman

 

O samba no Beco do Batman

Muitos moradores atribuem o crescimento do Beco do Batman como polo cultural à criação da Escola de Samba Pérola Negra (Grêmio Recreativo Social Cultural Escola de Samba Pérola Negra).

Nascida em 1973, da união do Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos de Vila Madalena com o  Bloco Boca das Bruxas, a escola fez seu primeiro desfile no ano seguinte e desde então é considerada uma das escolas de samba mais simpáticas de São Paulo. Logo em sua primeira participação, a escola já sagrou-se campeã do grupo 3.

O nome surgiu em alusão ao fato de as pérolas negras serem raras. A cada 100 pérolas produzidas na natureza, 1 é negra.  Do mesmo modo, para os fundadores, a Escola de Samba Pérola Negra é a joia rara do samba.

A escola fica a poucos metros do Beco do Batman, na rua Girassol.

 

Batman, o nobre desconhecido

Sobre o desenho do Batman, propriamente dito, surgido perto do fim da década de 1980, pós-Carratu, Tupinaodá e Vallauri, o autor é incerto, quase como uma lenda urbana. Carratu cita dois garotos de São Caetano do Sul, há quem cite um cenógrafo que prefere não falar no assunto, além de outros grafiteiros.

A figura, surgida da noite para o dia no local, assinalou a transição natural do pedacinho de bairro simples para galeria de arte urbana a céu aberto. “A virada foi natural”, considera Pires, com a chegada de estudantes e o interesse de artistas e formadores de opinião pela Vila Madalena.

 

Ícone do graffiti em São Paulo

Nas décadas de 1990 e 2000, os graffitis foram cada vez mais tomando conta do agora Beco do Batman, chamando atenção de toda a cidade e levando o local a ser um dos principais polos turísticos da cidade.

Em 2015, a viela foi fechada para carros e em 2016 ganhou iluminação noturna.

Enivo tem graffitis desde 2001 no Beco e o considera o “hall of fame” da arte urbana paulistana. Ele atribui à “velha guarda” de grafiteiros, a “geração psicodélica”, de grandes artistas, com obras abstratas, coloridas, chamativas, com integração das pessoas na arte, mais bem elaboradas, à efetivação do Beco como ponto turístico da cidade. “Eu vinha do Grajaú para ver ou buscar espaço para pintar no Beco. Estar ali tem uma simbologia forte, todo mundo quer estar naqueles muros”, avalia.

Atualmente, um grupo de artistas cuida dos muros, mudando constantemente os trabalhos e criando um Beco sempre novo para os visitantes da região. Um acordo entre os grafiteiros garante que só o próprio artista pode mudar sua obra.

Graffiti de Binho Ribeiro (@binho3m)

 

 

Luto no Beco do Batman

Mudando totalmente o ar colorido e artístico do Beco do homem-morcego, no dia 28 de novembro de 2020, a região amanheceu de luto e as obras foram cobertas com tinta preta, em total repúdio à morte violenta do artista e produtor cultural Wellington Copido Benfati, de 40 anos, o Nego Vila Madalena.

graffiti no Beco do Batman

Graffitis de Enivo (@enivo), Highraff (@highraff) e Saci Candido (@saci_michael), no Beco do Batman

 

Renascimento do Beco do Batman

Batman de volta ao Beco. Obra de Pedro Cobiaco (@pedrocobiaco), no muro da ZIV Gallery (@zivgallery)

Aproximadamente dois meses depois, os artistas reuniram-se e renovaram, pela primeira vez, todos ao mesmo tempo, os graffitis, dando nova vida ao Beco do Batman, em 2021.

A viela não é mais escura, parecendo a famosa Batcaverna, e, agora, colorida e iluminada, dia e noite, recebe turistas de todo o Brasil e do exterior, apaixonados pela arte de rua, pelo graffiti, homenageado no Brasil, no dia da morte de seu pioneiro, o etíope radicado no país, Alex Vallauri.

O misterioso homem-morcego original, dos anos 1980, não existe mais. Mas há referências a ele por todo lado. Seja como hostess da ZIV Gallery, marca na janela de um sobrado ou em muros da região, Bruce Wayne vive, mesmo sem ser descoberta sua verdadeira identidade.

Em 2021, o quadrinista Pedro Cobiaco, em conjunto com a ZIV Gallery e a Warner trouxe de volta o Batman para o Beco, onde está até a próxima mudança, o próximo graffiti nascer.

 

Galeria de fotos com graffitis do Beco do Batman

(O beco tem dezenas de graffitis, abaixo, algumas obras e respectivas/os artistas)

 

 

Curiosidades do Beco do Batman

Curiosidades do Beco do Batman

Artes de @instajerrybatista_oficial @lucasanao, @enivo, @highraff , @saci_michael e @pedrocobiaco

O Beco do Batman é um dos pontos turísticos mais procurados e queridos de São Paulo, seja pela arte ou pelo ambiente descontraído e descolado do local.

Também é um lugar cheio de histórias e tem até um grande mistério: quem fez o Batman, na década de 1980, responsável por dar nome ao Beco?

 

Batcaverna desde sempre

Antes de ser o point do graffiti paulistano, o Beco do Batman era chamado de ‘Batcaverna’ pelos moradores da região, especialmente pelos adolescentes. Isso porque por muitas décadas, a viela sem nome, ligando a rua Harmonia à Medeiros de Albuquerque, passando pela rua Gonçalo Afonso, foi um local ermo e escuro, iluminado apenas pela lanterna dos automóveis.

 

Antes do homem-morcego, era o point do futebol

Em meados da década de 1970, era chamado de “larguinho”, onde as crianças da vizinhança se encontravam durante o dia para jogar bola. Dois tijolos baianos faziam as vezes de trave para a garotada, acostumada a jogar descalça, apesar dos paralelepípedos.

Durante as Copas do Mundo, os moradores pintavam o chão, muros e espalhavam bandeirinhas pelo Beco.

 

Universitários contribuíram para o bairro se tornar point artístico-cultural

Com a proximidade do câmpus da USP, alunos da universidade e depois de outras faculdades foram chegando ao bairro, alugando casas, frequentando bares e restaurantes e tornando o local um polo artístico e cultural.

 

O Beco chamou atenção do pioneiro do graffiti e do primeiro coletivo de arte urbana do Brasil

Nas décadas de 1980 e 1990, o local chamou atenção de artistas como Zé Carratu e seu grupo, o Tupinaodá, o primeiro coletivo de arte urbana do Brasil.

Alex Vallauri, o pioneiro do graffiti no Brasil, e os integrantes do Tupinaodá foram os primeiros a grafitar o beco, na transição do larguinho de futebol, para o “hall of fame” do graffiti em São Paulo.

Até àquele momento, ainda não existia o famoso Batman, feito em estêncil.

 

O símbolo do homem-morcego é uma das marcas do Beco do Batman

O samba também ajudou a atrair pessoas para o Beco do Batman

Muitos moradores atribuem o crescimento do Beco do Batman como polo cultural à criação da Escola de Samba Pérola Negra (Grêmio Recreativo Social Cultural Escola de Samba Pérola Negra). Nascida em 1973, a escola fez seu primeiro desfile no ano seguinte e desde então é considerada uma das escolas de samba mais simpáticas de São Paulo.

 

O Beco do Batman já foi capa do disco do Barão Vermelho.

Um dos desenhos do Tupinaodá no Beco estampou o álbum “Na calada da noite”, do Barão Vermelho, lançado em 1990. Foi um disco icônico da banda de Rock,  por ser o primeiro trabalho após a saída de Cazuza da banda.

 

A chegada dos super-heróis

Antes do Batman, o artista urbano Julio Barreto grafitou uma imagem do Spirit, dos quadrinhos, no Beco.

 

Batman: uma lenda urbana

Quem desenhou o icônico Batman no Beco, no final da década de 1980, é a pergunta de muitos anos e um mistério a ser desvendado.

A figura do Batman, surgida da noite para o dia no Beco, assinalou a transição natural do pedacinho de bairro simples para o hall of fame do graffiti em São Paulo.

 

Famosos no Beco do Batman

A genialidade dos artistas em graffitis incríveis, a atmosfera cultural do Beco do Batman, aliados à efervescência e à beleza da Vila Madalena sempre  chamaram a atenção de visitantes famosos como os músicos Mick Jagger e Ron Wood da banda The Rolling Stones, a atriz Jessica Chastain do filme X-Men – Fênix Negra, o ator Chris Pratt de Guardiões da Galáxia e a cantora Camila Cabello, para citar alguns. Entre os artistas brasileiros, a cantora Anitta gravou clipe no Beco do Batman, a apresentadora Angélica, Sabrina Sato e Junior Lima prestigiaram os graffitis do local.

 

Beco passa a ser a casa do Batman e do graffiti

O Beco do Batman é um local icônico na cidade de São Paulo.

Considerado galeria de arte urbana a céu aberto, em plena capital mundial do graffiti, o Beco do Batman está sempre em transformação. Uma visita nunca é igual à outra.
Venha sempre!

Galeria de fotos com graffitis do Beco do Batman

(O beco tem dezenas de graffitis, abaixo, algumas obras e respectivas/os artistas)

Mulher-maravilha comemora 80 anos, super atual, na ZIV Gallery

Mulher-maravilha comemora 80 anos, super atual, na ZIV Gallery

Defensora da paz, a Mulher-maravilha faz aniversário este mês, bom momento para falar um pouco da história da primeira super-heroína dos quadrinhos. Ela estará na ZIV Gallery ao longo do mês de outubro, em comemoração à data.

Diana Prince, a Mulher-maravilha, é o alter ego da Princesa Diana da ilha mítica de Temiscira, habitada apenas por mulheres guerreiras, as amazonas.

Bela como Afrodite, sábia como Atena, forte como Hércules e rápida como Hermes, a Mulher-maravilha teria sido esculpida de barro pela mãe, a rainha Hipólita, com as bênçãos de todos os deuses do Olimpo.

Era treinada pela General Philippus até conhecer o mortal Steve Trevor, capitão do exército norte-americano, cujo avião caiu na ilha. Diana apaixona-se, briga com a mãe e abandona a ilha com o militar.

No mundo dos mortais, é defensora da verdade e da vida. Além de habilidades super-humanas, ela usa o laço da verdade e os braceletes da vitória.

Criada pelo psicólogo-escritor William Moulton Marston e pelo artista Harry G. Peter, no mesmo período de Superman e Batman, a personagem foi publicada pela primeira vez em 21 de outubro de 1941, na revista All Star Comics #8, nos Estados Unidos.

Em 1942, teve continuidade em Sensation Comics #1. E no mesmo ano, ganhou sua própria série solo: Wonder Woman #1, transferida para a DC Comics em 1944.

Diana é sinônimo de mulher poderosa e independente e ao contrário de outras super-heroínas, não é a versão feminina de um super-herói, nem o par de um deles.

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Chermie Ferreira e o desafio de retratar o Norte do Brasil

Chermie Ferreira e o desafio de retratar o Norte do Brasil

Chermie Ferreira, artista plástica

Filha de Suane, neta de Rita e Raimunda, bisneta de Maria, a artista plástica, Chermie Ferreira, se fez na vida e na arte, inspirada pela coragem e determinação das mulheres de sua família.

Em entrevista à ZIV Gallery, Chermie conta as intrincadas histórias de suas ancestrais e como elas formaram um de seus traços pessoais e artísticos mais fortes: a defesa das mulheres e a luta pelo empoderamento feminino. Sem esquecer de valorizar as culturas indígena e ribeirinha da região Norte do país.

Por esses objetivos, a menina destemida, natural de Manaus (AM), foi para as ruas grafitar, mudou de estado, viajou o Brasil, denunciou um ex-companheiro violento, ministrou palestras e oficinas reunindo graffiti, autoestima feminina e políticas públicas.

Radicada em São Paulo, desde 2018, na cidade, Chermie Ferreira se encontrou e se firmou como artista multitalentosa. De seus muitos papéis, dois se destacam e se apoiam: o de artista e o de mãe.

Com a arte, espera ajudar a construir um mundo melhor para as filhas de Sara e Wira Tini, tal como suas bisavós, avós e mãe fizeram pelas gerações seguintes.

 

Ancestralidade refletida na arte

Chermie Ferreira, artista plástica

Chermie é descendente da tribo Kokama e leva sua ancestralidade para a arte

Para entender a arte e a história de Chermie, é importante mergulhar em sua ancestralidade marcada por migrações e jornadas desafiadoras.

A bisavó de Chermie, Maria José, natural da Bahia, casou-se no Acre com o índio Kokama José, do Amazonas. A filha deles, a avó Rita, se apaixonou pelo avô Sólon, mas o bisavô era contrário à união, porque temia pela filha, negra, casada com um homem branco, já imaginando o racismo pelo qual passaria ao longo da vida. “Meu bisavô era um homem simples em Xapuri, mas já conhecia bem o racismo porque sua esposa Maria José, sendo negra, já enfrentava isso bem de perto”, aponta a artista.

Para casar, Rita e Sólon fugiram do Acre, passaram pelo Amazonas, pelo Pará, onde nasceu Suane – mãe de Chermie – e seguiram para o Maranhão. Lá, o avô faleceu, deixando a avó com quatro filhos de nove, sete, quatro anos e um bebê de colo.

Depois do enterro, Rita, sem rumo, não voltou para casa, pegou os filhos e dali mesmo partiu para Belém, abandonando o pouco conquistado para trás. “Ela ficou sem chão”, revela a artista. Da capital do Pará, a família seguiu para Manaus, onde uma tia avó morava.

Rita conseguiu um emprego de cobradora de ônibus. “Ela saía às quatro da manhã para trabalhar”, conta a neta. A mãe por outro lado, uma criança, andava quilômetros, atravessando igarapé (rio estreito) e pegando ônibus até chegar à sala de aula. Depois, ainda na infância, conseguiu um emprego de doméstica. O tio de nove anos foi trabalhar como padeiro e em casa ficavam as crianças de seis e dois anos.

Com toda dificuldade, a avó nunca abandonou os filhos e ainda cuidou de outras crianças.

Dessa narrativa, feita pela mãe, Suane, em um café da manhã, Chermie teve insights para uma linha de trabalho artístico sobre maternidade. “Ser mãe cria uma potência nas mulheres e esse se tornou um tema importante para minha pintura, meus bordados, minha arte”.

Chermie Ferreira, artista plástica

Histórias familiares estão presentes no trabalho da artista manauara

Também de uma conversa à mesa, enquanto a família comia feijão com farinha, Suane relembrou um dos muitos dias passados na estrada, aos seis anos de idade, depois da morte do pai, no trajeto do Maranhão para o Amazonas. Sem dinheiro e sem comida, Rita – a avó – pediu a um homem um prato de comida, mas ele só tinha feijão com farinha para si e para oferecer aos viajantes. Grata pela doação, a avó fez bolinhos e deu aos filhos para aplacar a fome. A história mais uma vez acendeu a necessidade de retratar a vida da família, a coragem das mulheres e a vida no Norte do país.

Assim, com causos hiper-reais da vida familiar, ou pesquisando a realidade de sua terra natal, a artista vai criando novos caminhos para sua arte.

 

Chermie Ferreira pelas mulheres

As experiências familiares criaram outro traço importante da vida de Chermie: a defesa inabalável das mulheres.

A mãe da artista casou-se com um homem violento, seu pai, contrário à esposa estudar, mas ela nunca abaixou a cabeça, mesmo tendo de sair às seis horas e voltar meia-noite para trabalhar e se dedicar aos estudos.

Durante 12 anos, a mãe suportou os abusos físicos e psicológicos do ex-marido, cujo comportamento colocava em risco os próprios filhos, como quando ele ameaçou jogar o carro com toda a família, embaixo de um caminhão.

“Quando eu tinha nove anos, minha mãe fugiu de casa, cansada de apanhar. Ficamos um mês só com meu pai. As coisas só mudaram quando ele foi ao trabalho dela jogar as roupas na porta e minha mãe finalmente contou aos colegas a realidade de seu casamento. Como havia uma delegacia ao lado, ele terminou preso por agressão”. A mãe se separou, cursou Mestrado em Relações Públicas, cuidou e encaminhou os filhos, sem parar de trabalhar.

Dessa experiência, Chermie tirou a decisão de nunca deixar um homem ser violento com ela. Denunciou um ex-companheiro agressivo e também não aceitou isso de colegas artistas ou amigos em relação a suas companheiras.

“Nasci feminista, porque vim dessas mulheres e todo o resto complementa essa necessidade de ajudá-las a viver melhor”, diz. “Não preciso ler livros acadêmicos sobre feminismo, nem ter Frida Kahlo como referência porque elas vieram da minha vida, do meu convívio familiar”.

 

Arte para valorizar a região Norte

Chermie Ferreira

Chermie Ferreira cria eventos para incentivar mulheres na arte

O caminho da arte na vida de Chermie, começou pelo mangá, inspirado pelos desenhos animados Dragon Ball Z e Cavaleiros do Zodíaco, aos nove anos. Aos 16, foi pintar seu primeiro muro com amigos para incentivar as mulheres a disputarem os locais mais importantes de Manaus. “Havia muitas mulheres no graffiti, mas elas não disputavam o “hall off fame” da cidade – localizado em duas ruas de grande movimento”, aponta.

No início, fazia bonequinhas à la Nina Pandolfo, depois se especializou em letras 3D, partindo para um estilo mais novaiorquino, inédito na região.

Foi ganhando as ruas e criando eventos para incentivar meninas e mulheres na arte. “Ainda é muito comum as meninas deixarem o graffiti por gravidez na adolescência, então acaba havendo renovação forçada, porque as mulheres optam pelos filhos. Eu prossegui por ser teimosa, filha de Suane, uma educadora de filhas guerreiras”, ressalta. A mãe além de incentivar sua arte, cuidar da filha mais velha de Chermie, também fez questão de comprar a passagem da primeira viagem para a artista grafitar.

Depois de quatro anos no graffiti, em 2008, ela organizou o “I Festival de Graffiti Feminino da região Norte”. Em 2016, criou a plataforma de divulgação digital de trabalhos de mulheres, o “Graffiti Queens“. Dois anos mais tarde, veio o “1º Festival Internacional de Graffiti Feminino”, realizado em São Paulo. A artista também criou a primeira revista de graffiti feminina em meio físico.

No momento, Chermie está organizando o festival Yapai Waina, “levanta mulher”, em Kokama. É o 1º Festival Internacional de Graffiti com foco nas artistas plásticas do Amazonas e será realizado de 13 a 15 de maio, em Presidente Figueiredo (AM).

 

Chermie Ferreira se descobre artista em São Paulo

Chermie Ferreira, artista plástica

Do graffiti de Manaus para a cena paulistana

Com toda essa potência inabalável no graffiti, no início, Chermie queria mesmo era ser DJ. Chegou a se matricular no curso, em São Paulo, entretanto, foi para a Bahia trabalhar com tatuagem, Direitos Humanos, cursos e palestras para mulheres, além de continuar grafitando por onde ia.

Da Bahia, por motivos pessoais, desembarcou em São Paulo. “Me encontrei nessa cidade. São Paulo não para e eu, também não. Vivo a mil por hora com muitos projetos”, comenta.

Na capital paulista, ela finalmente se descobriu artista. “Não me via como artista até um ano atrás”.

 

Wira Tini volta para casa

Preocupada com a família em Manaus, cidade fortemente atingida pela Covid-19, especialmente com a mãe, do grupo de risco, Chermie viajou em 2020 para ficar perto da família, onde está se protegendo e ajudando a cuidar de todos.

Obra de Chermie Ferreira

Wira Tini, pássaro branco em Kokama, é o nome indígena de Chermie

Madura, agora, além de se sentir inteiramente artista, a pandemia trouxe novamente o convívio com a mãe e tios, histórias de família começaram a fazer sentido, passou a pintar quadros, inspirada em imagens de fotógrafos do Norte do país, com toques de impressionismo.

As lembranças da infância dentro do rio, nadando com jacarés, de viver em casas flutuantes, de andar de barco com o pai e o tio, ambos militares, aflorou ainda mais a identidade indígena e ribeirinha da artista manauara, reconhecida em São Paulo e contratada por uma galeria inovadora no propósito e na visão artística.

“Uma mulher, artista, mãe, do Norte, conseguir reconhecimento em São Paulo e estar em uma galeria moderna, nova, conectada com crenças de valorização das mulheres, da natureza, dos povos indígenas, da população ribeirinha, como a ZIV Gallery, demonstra minha maturidade e acerto em lutar”, alegra-se.

Dessa nova fase, estão saindo séries de trabalhos artísticos – tanto em quadros como em bordado – sobre mulheres amazonenses de diversas profissões; mães e crianças e sobre copaíba e andiroba, folhas de cura, em geral aplicadas por mulheres, também sempre relacionadas ao processo curativo das famílias.

O bordado é um aprendizado novo e responde à necessidade de aumentar as plataformas artísticas de Chermie, já reconhecida no graffiti, na arte digital e na pintura.

Chermie, nome de um peixe amazônico, também é Sara – de nascimento – e mais recentemente se tornou também Wira Tini, cujo significado na tribo Kokama é pássaro branco. Como peixe, ela nada forte e vence qualquer curso d’água e como pássaro, voa longe para conhecer o mundo e honrar seu povo e sua história pessoal.

Conheça as obras de Chermie Ferreira na ZIV Gallery, a mais nova galeria de arte no Beco do Batman, cujo propósito é criar oportunidades e gerar transformações com arte!

 

Galeria de obras de Chermie Ferreira:

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Michele Micha e a realidade nua e crua do corpo humano

Michele Micha e a realidade nua e crua do corpo humano

Michele

Micha cria obras hiper-realistas

Observar o trabalho de Michele Micha é como olhar a si mesmo, por dentro. Suas obras de arte são hiper-realistas, profundas e viscerais, porque são inspiradas na realidade nua e crua da vida humana.

A opção de retratar o incrível mundo da fisiologia humana, não foi por acaso: Micha cresceu em uma casa cheia de livros de medicina, biologia, anatomia e genética, além de tubos de ensaio de diferentes tamanhos, pranchetas, réguas e instrumentos para desenho.

“Toda essa absorção ficou tão intrínseca em mim e em meus arquivos mentais, a ponto de hoje toda minha expressão ter estética anatômica, visceral, assim como notas de lugubridade e poética existencial”, explica a artista, em entrevista à ZIV Gallery.

Durante a infância e a adolescência da artista, a mãe, Elisa, trabalhou como bióloga, desenhista técnica, pesquisadora e professora de desenho técnico para Engenharia. A percepção de Micha sobre o trabalho intenso da mãe, bem como da luta para a educar sozinha marcou profundamente sua forma de ver o mundo e se esparramou pela arte.

“Amava viajar naquele universo ilustrado dos livros dela. Ver o mundo  interno dos seres vivos era fascinante e confortável. Me encantava com  as transformações anatômicas, em como as doenças se manifestavam nos órgãos  humanos, a  morte e seus ciclos, as metamorfoses de animais e plantas e criava histórias com as imagens de anomalias genéticas. Eu simplesmente adorava ver aquelas pessoas diferentes”, elenca.

Se por um lado, o mergulho nas estruturas físicas humanas veio no convívio familiar, Micha procurou por conta própria a imersão em outros tópicos da ciência e da arte, como: psicanálise, física quântica, neurociência, metafísica e  arte terapia.

 

Arte multiexperimental

Trabalho de Michele Micha

Micha utiliza materiais como tela, madeira, parede, resina, papel, lixo, cerâmica, tecidos, acrílica, óleo, spray e minerais

Embora seja formada em publicidade, a artista nunca exerceu a profissão. Trabalhou como modelo em eventos e comerciais de TV e como modelo fotográfica para publicidade para pagar as contas, financiar seus projetos artísticos e estudar arte.

Um de seus estudos mais marcantes foi participar do grupo alternativo de discussões sobre arte contemporânea, graffiti e história da arte, dirigido pelo artista e arte-educador, Walter Nomura, o mestre Tinho.

“Ali me descobri e me aceitei como artista de verdade e passei a me entender como artista profissional”. Ela continua estudando no grupo.

Dali em diante, a artista começou a participar de projetos de street art, exposições coletivas e individuais, em museus, galerias e instituições nacionais e internacionais, residências, salões de arte, bienais e obter premiações e menções honrosas.

Artista multiexperimental, Micha transborda sua visão de ser humano em diferentes expressões artísticas, como pinturas, esculturas, instalações e performances, utilizando materiais como tela, madeira, parede, resina, papel, lixo, cerâmica, tecidos, acrílica, óleo, spray, minerais, sangue, entre tantas possibilidades.

 

O coração

Coração de Micha

Coração: essencial tanto quanto o cérebro

Figura frequente na arte de Micha, a artista considera o coração um filtro da absorção de nossas percepções e experiências e um órgão de inteligência.

O primeiro a se formar no interior do útero materno, estudos recentes consideram o coração muito além de uma estação de bombeamento do corpo. Ele também é composto de neurônios da mesma natureza do sistema cerebral ou seja também é uma estação de inteligência e suas células possuem sintonia com outras células e transmitem sinais eletromagnéticos.

Quando surge na arte de Micha, não é por ser o símbolo clássico do amor e por todo o simbolismo já conhecido, mas por estar totalmente ligado a área do pensamento e por ser essencial tanto quanto o cérebro, detalha.

 

Micha: ser e questionar

Independentemente da plataforma, as construções artísticas e as pesquisas de Micha estão relacionadas aos desdobramentos do ser, busca pela pura essência, dualidade humana e feminismo. “Pesquiso muito o envolvimento psíquico com as influências e heranças culturais as quais absorvemos e estruturamos no decorrer da vida, conflitos intrapessoais, pinceladas na psique, traumas e consciência. Tudo isso se desenvolve e resulta em um trabalho conceitual, com poética feminina e atmosfera sensorial”, define.

As obras da artista têm cunho questionador, carregando um incômodo. “Apenas saímos do lugar e evoluímos quando deixamos o estado de acomodação, de conforto, onde creio ser impossível florescer, crescer”, diz.

Produção de Michele

A arte é o combustível de Michele Micha

Inspirada pelas artistas Adriana Varejão e Chiharu Shiota, a arte é seu combustível – transcendente e necessária. “Nós, artistas, carregamos grande responsabilidade pois temos o papel de desconstruir o mundo já elaborado, já lapidado, remodelar essa coisa e transformá-la em um novo lapso, pensamento.”

Ser mulher na arte vai exatamente no sentido de quebrar paradigmas, principalmente os estruturados pela patriarcado, diz. “Viver de arte é difícil no Brasil, sendo mulher e mãe isso quadriplica, mas estamos superando aos poucos essa história.”

Para Micha, a participação no painel coletivo da ZIV trouxe proximidade com os artistas da galeria e apropriação do espaço onde há muita circulação e ótima visibilidade, por estar no Beco do Batman, um lugar com ar de casa e onde as artes de muitos amigos se encontram.

Conheça as obras de Michele Micha na ZIV Gallery, galeria de arte no Beco do Batman, cujo propósito é criar oportunidades e gerar transformações com arte!

 

Galeria de obras de Michele Micha:

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Galeria de obras de Fernanda Yamamoto:

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