Chermie Ferreira e o desafio de retratar o Norte do Brasil

Chermie Ferreira e o desafio de retratar o Norte do Brasil

Chermie Ferreira, artista plástica

Filha de Suane, neta de Rita e Raimunda, bisneta de Maria, a artista plástica, Chermie Ferreira, se fez na vida e na arte, inspirada pela coragem e determinação das mulheres de sua família.

Em entrevista à ZIV Gallery, Chermie conta as intrincadas histórias de suas ancestrais e como elas formaram um de seus traços pessoais e artísticos mais fortes: a defesa das mulheres e a luta pelo empoderamento feminino. Sem esquecer de valorizar as culturas indígena e ribeirinha da região Norte do país.

Por esses objetivos, a menina destemida, natural de Manaus (AM), foi para as ruas grafitar, mudou de estado, viajou o Brasil, denunciou um ex-companheiro violento, ministrou palestras e oficinas reunindo graffiti, autoestima feminina e políticas públicas.

Radicada em São Paulo, desde 2018, na cidade, Chermie Ferreira se encontrou e se firmou como artista multitalentosa. De seus muitos papéis, dois se destacam e se apoiam: o de artista e o de mãe.

Com a arte, espera ajudar a construir um mundo melhor para as filhas de Sara e Wira Tini, tal como suas bisavós, avós e mãe fizeram pelas gerações seguintes.

 

Ancestralidade refletida na arte

Chermie Ferreira, artista plástica

Chermie é descendente da tribo Kokama e leva sua ancestralidade para a arte

Para entender a arte e a história de Chermie, é importante mergulhar em sua ancestralidade marcada por migrações e jornadas desafiadoras.

A bisavó de Chermie, Maria José, natural da Bahia, casou-se no Acre com o índio Kokama José, do Amazonas. A filha deles, a avó Rita, se apaixonou pelo avô Sólon, mas o bisavô era contrário à união, porque temia pela filha, negra, casada com um homem branco, já imaginando o racismo pelo qual passaria ao longo da vida. “Meu bisavô era um homem simples em Xapuri, mas já conhecia bem o racismo porque sua esposa Maria José, sendo negra, já enfrentava isso bem de perto”, aponta a artista.

Para casar, Rita e Sólon fugiram do Acre, passaram pelo Amazonas, pelo Pará, onde nasceu Suane – mãe de Chermie – e seguiram para o Maranhão. Lá, o avô faleceu, deixando a avó com quatro filhos de nove, sete, quatro anos e um bebê de colo.

Depois do enterro, Rita, sem rumo, não voltou para casa, pegou os filhos e dali mesmo partiu para Belém, abandonando o pouco conquistado para trás. “Ela ficou sem chão”, revela a artista. Da capital do Pará, a família seguiu para Manaus, onde uma tia avó morava.

Rita conseguiu um emprego de cobradora de ônibus. “Ela saía às quatro da manhã para trabalhar”, conta a neta. A mãe por outro lado, uma criança, andava quilômetros, atravessando igarapé (rio estreito) e pegando ônibus até chegar à sala de aula. Depois, ainda na infância, conseguiu um emprego de doméstica. O tio de nove anos foi trabalhar como padeiro e em casa ficavam as crianças de seis e dois anos.

Com toda dificuldade, a avó nunca abandonou os filhos e ainda cuidou de outras crianças.

Dessa narrativa, feita pela mãe, Suane, em um café da manhã, Chermie teve insights para uma linha de trabalho artístico sobre maternidade. “Ser mãe cria uma potência nas mulheres e esse se tornou um tema importante para minha pintura, meus bordados, minha arte”.

Chermie Ferreira, artista plástica

Histórias familiares estão presentes no trabalho da artista manauara

Também de uma conversa à mesa, enquanto a família comia feijão com farinha, Suane relembrou um dos muitos dias passados na estrada, aos seis anos de idade, depois da morte do pai, no trajeto do Maranhão para o Amazonas. Sem dinheiro e sem comida, Rita – a avó – pediu a um homem um prato de comida, mas ele só tinha feijão com farinha para si e para oferecer aos viajantes. Grata pela doação, a avó fez bolinhos e deu aos filhos para aplacar a fome. A história mais uma vez acendeu a necessidade de retratar a vida da família, a coragem das mulheres e a vida no Norte do país.

Assim, com causos hiper-reais da vida familiar, ou pesquisando a realidade de sua terra natal, a artista vai criando novos caminhos para sua arte.

 

Chermie Ferreira pelas mulheres

As experiências familiares criaram outro traço importante da vida de Chermie: a defesa inabalável das mulheres.

A mãe da artista casou-se com um homem violento, seu pai, contrário à esposa estudar, mas ela nunca abaixou a cabeça, mesmo tendo de sair às seis horas e voltar meia-noite para trabalhar e se dedicar aos estudos.

Durante 12 anos, a mãe suportou os abusos físicos e psicológicos do ex-marido, cujo comportamento colocava em risco os próprios filhos, como quando ele ameaçou jogar o carro com toda a família, embaixo de um caminhão.

“Quando eu tinha nove anos, minha mãe fugiu de casa, cansada de apanhar. Ficamos um mês só com meu pai. As coisas só mudaram quando ele foi ao trabalho dela jogar as roupas na porta e minha mãe finalmente contou aos colegas a realidade de seu casamento. Como havia uma delegacia ao lado, ele terminou preso por agressão”. A mãe se separou, cursou Mestrado em Relações Públicas, cuidou e encaminhou os filhos, sem parar de trabalhar.

Dessa experiência, Chermie tirou a decisão de nunca deixar um homem ser violento com ela. Denunciou um ex-companheiro agressivo e também não aceitou isso de colegas artistas ou amigos em relação a suas companheiras.

“Nasci feminista, porque vim dessas mulheres e todo o resto complementa essa necessidade de ajudá-las a viver melhor”, diz. “Não preciso ler livros acadêmicos sobre feminismo, nem ter Frida Kahlo como referência porque elas vieram da minha vida, do meu convívio familiar”.

 

Arte para valorizar a região Norte

Chermie Ferreira

Chermie Ferreira cria eventos para incentivar mulheres na arte

O caminho da arte na vida de Chermie, começou pelo mangá, inspirado pelos desenhos animados Dragon Ball Z e Cavaleiros do Zodíaco, aos nove anos. Aos 16, foi pintar seu primeiro muro com amigos para incentivar as mulheres a disputarem os locais mais importantes de Manaus. “Havia muitas mulheres no graffiti, mas elas não disputavam o “hall off fame” da cidade – localizado em duas ruas de grande movimento”, aponta.

No início, fazia bonequinhas à la Nina Pandolfo, depois se especializou em letras 3D, partindo para um estilo mais novaiorquino, inédito na região.

Foi ganhando as ruas e criando eventos para incentivar meninas e mulheres na arte. “Ainda é muito comum as meninas deixarem o graffiti por gravidez na adolescência, então acaba havendo renovação forçada, porque as mulheres optam pelos filhos. Eu prossegui por ser teimosa, filha de Suane, uma educadora de filhas guerreiras”, ressalta. A mãe além de incentivar sua arte, cuidar da filha mais velha de Chermie, também fez questão de comprar a passagem da primeira viagem para a artista grafitar.

Depois de quatro anos no graffiti, em 2008, ela organizou o “I Festival de Graffiti Feminino da região Norte”. Em 2016, criou a plataforma de divulgação digital de trabalhos de mulheres, o “Graffiti Queens“. Dois anos mais tarde, veio o “1º Festival Internacional de Graffiti Feminino”, realizado em São Paulo. A artista também criou a primeira revista de graffiti feminina em meio físico.

No momento, Chermie está organizando o festival Yapai Waina, “levanta mulher”, em Kokama. É o 1º Festival Internacional de Graffiti com foco nas artistas plásticas do Amazonas e será realizado de 13 a 15 de maio, em Presidente Figueiredo (AM).

 

Chermie Ferreira se descobre artista em São Paulo

Chermie Ferreira, artista plástica

Do graffiti de Manaus para a cena paulistana

Com toda essa potência inabalável no graffiti, no início, Chermie queria mesmo era ser DJ. Chegou a se matricular no curso, em São Paulo, entretanto, foi para a Bahia trabalhar com tatuagem, Direitos Humanos, cursos e palestras para mulheres, além de continuar grafitando por onde ia.

Da Bahia, por motivos pessoais, desembarcou em São Paulo. “Me encontrei nessa cidade. São Paulo não para e eu, também não. Vivo a mil por hora com muitos projetos”, comenta.

Na capital paulista, ela finalmente se descobriu artista. “Não me via como artista até um ano atrás”.

 

Wira Tini volta para casa

Preocupada com a família em Manaus, cidade fortemente atingida pela Covid-19, especialmente com a mãe, do grupo de risco, Chermie viajou em 2020 para ficar perto da família, onde está se protegendo e ajudando a cuidar de todos.

Obra de Chermie Ferreira

Wira Tini, pássaro branco em Kokama, é o nome indígena de Chermie

Madura, agora, além de se sentir inteiramente artista, a pandemia trouxe novamente o convívio com a mãe e tios, histórias de família começaram a fazer sentido, passou a pintar quadros, inspirada em imagens de fotógrafos do Norte do país, com toques de impressionismo.

As lembranças da infância dentro do rio, nadando com jacarés, de viver em casas flutuantes, de andar de barco com o pai e o tio, ambos militares, aflorou ainda mais a identidade indígena e ribeirinha da artista manauara, reconhecida em São Paulo e contratada por uma galeria inovadora no propósito e na visão artística.

“Uma mulher, artista, mãe, do Norte, conseguir reconhecimento em São Paulo e estar em uma galeria moderna, nova, conectada com crenças de valorização das mulheres, da natureza, dos povos indígenas, da população ribeirinha, como a ZIV Gallery, demonstra minha maturidade e acerto em lutar”, alegra-se.

Dessa nova fase, estão saindo séries de trabalhos artísticos – tanto em quadros como em bordado – sobre mulheres amazonenses de diversas profissões; mães e crianças e sobre copaíba e andiroba, folhas de cura, em geral aplicadas por mulheres, também sempre relacionadas ao processo curativo das famílias.

O bordado é um aprendizado novo e responde à necessidade de aumentar as plataformas artísticas de Chermie, já reconhecida no graffiti, na arte digital e na pintura.

Chermie, nome de um peixe amazônico, também é Sara – de nascimento – e mais recentemente se tornou também Wira Tini, cujo significado na tribo Kokama é pássaro branco. Como peixe, ela nada forte e vence qualquer curso d’água e como pássaro, voa longe para conhecer o mundo e honrar seu povo e sua história pessoal.

Conheça as obras de Chermie Ferreira na ZIV Gallery, a mais nova galeria de arte no Beco do Batman, cujo propósito é criar oportunidades e gerar transformações com arte!

 

Galeria de obras de Chermie Ferreira:

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Michele Micha e a realidade nua e crua do corpo humano

Michele Micha e a realidade nua e crua do corpo humano

Michele

Micha cria obras hiper-realistas

Observar o trabalho de Michele Micha é como olhar a si mesmo, por dentro. Suas obras de arte são hiper-realistas, profundas e viscerais, porque são inspiradas na realidade nua e crua da vida humana.

A opção de retratar o incrível mundo da fisiologia humana, não foi por acaso: Micha cresceu em uma casa cheia de livros de medicina, biologia, anatomia e genética, além de tubos de ensaio de diferentes tamanhos, pranchetas, réguas e instrumentos para desenho.

“Toda essa absorção ficou tão intrínseca em mim e em meus arquivos mentais, a ponto de hoje toda minha expressão ter estética anatômica, visceral, assim como notas de lugubridade e poética existencial”, explica a artista, em entrevista à ZIV Gallery.

Durante a infância e a adolescência da artista, a mãe, Elisa, trabalhou como bióloga, desenhista técnica, pesquisadora e professora de desenho técnico para Engenharia. A percepção de Micha sobre o trabalho intenso da mãe, bem como da luta para a educar sozinha marcou profundamente sua forma de ver o mundo e se esparramou pela arte.

“Amava viajar naquele universo ilustrado dos livros dela. Ver o mundo  interno dos seres vivos era fascinante e confortável. Me encantava com  as transformações anatômicas, em como as doenças se manifestavam nos órgãos  humanos, a  morte e seus ciclos, as metamorfoses de animais e plantas e criava histórias com as imagens de anomalias genéticas. Eu simplesmente adorava ver aquelas pessoas diferentes”, elenca.

Se por um lado, o mergulho nas estruturas físicas humanas veio no convívio familiar, Micha procurou por conta própria a imersão em outros tópicos da ciência e da arte, como: psicanálise, física quântica, neurociência, metafísica e  arte terapia.

 

Arte multiexperimental

Trabalho de Michele Micha

Micha utiliza materiais como tela, madeira, parede, resina, papel, lixo, cerâmica, tecidos, acrílica, óleo, spray e minerais

Embora seja formada em publicidade, a artista nunca exerceu a profissão. Trabalhou como modelo em eventos e comerciais de TV e como modelo fotográfica para publicidade para pagar as contas, financiar seus projetos artísticos e estudar arte.

Um de seus estudos mais marcantes foi participar do grupo alternativo de discussões sobre arte contemporânea, graffiti e história da arte, dirigido pelo artista e arte-educador, Walter Nomura, o mestre Tinho.

“Ali me descobri e me aceitei como artista de verdade e passei a me entender como artista profissional”. Ela continua estudando no grupo.

Dali em diante, a artista começou a participar de projetos de street art, exposições coletivas e individuais, em museus, galerias e instituições nacionais e internacionais, residências, salões de arte, bienais e obter premiações e menções honrosas.

Artista multiexperimental, Micha transborda sua visão de ser humano em diferentes expressões artísticas, como pinturas, esculturas, instalações e performances, utilizando materiais como tela, madeira, parede, resina, papel, lixo, cerâmica, tecidos, acrílica, óleo, spray, minerais, sangue, entre tantas possibilidades.

 

O coração

Coração de Micha

Coração: essencial tanto quanto o cérebro

Figura frequente na arte de Micha, a artista considera o coração um filtro da absorção de nossas percepções e experiências e um órgão de inteligência.

O primeiro a se formar no interior do útero materno, estudos recentes consideram o coração muito além de uma estação de bombeamento do corpo. Ele também é composto de neurônios da mesma natureza do sistema cerebral ou seja também é uma estação de inteligência e suas células possuem sintonia com outras células e transmitem sinais eletromagnéticos.

Quando surge na arte de Micha, não é por ser o símbolo clássico do amor e por todo o simbolismo já conhecido, mas por estar totalmente ligado a área do pensamento e por ser essencial tanto quanto o cérebro, detalha.

 

Micha: ser e questionar

Independentemente da plataforma, as construções artísticas e as pesquisas de Micha estão relacionadas aos desdobramentos do ser, busca pela pura essência, dualidade humana e feminismo. “Pesquiso muito o envolvimento psíquico com as influências e heranças culturais as quais absorvemos e estruturamos no decorrer da vida, conflitos intrapessoais, pinceladas na psique, traumas e consciência. Tudo isso se desenvolve e resulta em um trabalho conceitual, com poética feminina e atmosfera sensorial”, define.

As obras da artista têm cunho questionador, carregando um incômodo. “Apenas saímos do lugar e evoluímos quando deixamos o estado de acomodação, de conforto, onde creio ser impossível florescer, crescer”, diz.

Produção de Michele

A arte é o combustível de Michele Micha

Inspirada pelas artistas Adriana Varejão e Chiharu Shiota, a arte é seu combustível – transcendente e necessária. “Nós, artistas, carregamos grande responsabilidade pois temos o papel de desconstruir o mundo já elaborado, já lapidado, remodelar essa coisa e transformá-la em um novo lapso, pensamento.”

Ser mulher na arte vai exatamente no sentido de quebrar paradigmas, principalmente os estruturados pela patriarcado, diz. “Viver de arte é difícil no Brasil, sendo mulher e mãe isso quadriplica, mas estamos superando aos poucos essa história.”

Para Micha, a participação no painel coletivo da ZIV trouxe proximidade com os artistas da galeria e apropriação do espaço onde há muita circulação e ótima visibilidade, por estar no Beco do Batman, um lugar com ar de casa e onde as artes de muitos amigos se encontram.

Conheça as obras de Michele Micha na ZIV Gallery, galeria de arte no Beco do Batman, cujo propósito é criar oportunidades e gerar transformações com arte!

 

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Fernanda Yamamoto e o diálogo entre moda, esportes e arte

Fernanda Yamamoto e o diálogo entre moda, esportes e arte

Fernanda Yamamoto faz uma arte delicada sobre empoderamento

Todos os caminhos levavam Fernanda Yamamoto ao mundo da moda: a infância desenhando e criando roupas para bonecas, sua experiência com corte e costura, o convívio com as avós – ambas costureiras da família -, a faculdade de Moda, entre tantas outras coisas.

Entretanto, a pandemia e a paixão por esportes, além da aridez do universo fashion, deram uma guinada na visão de mundo da artista. “Fiz faculdade pensando em ser estilista, mas lá veio o choque de realidade. Estilista é muito mais para resolver B.O.’s. O mercado é muito injusto e duro. No fim, me apaixonei por ilustração e migrei para o designer têxtil, para desenhar estampas para tecidos”, explica em entrevista à ZIV Gallery.

Os quadros, em tons pastéis, com referências ao mar, ao surf, ao skate e retratando a natureza não são por acaso. Fernanda leva para a arte seus sentimentos quando está surfando, andando de skate e em contato com a natureza.

Há mais de um ano, a designer de 26 anos começou a surfar e cada momento de aprendizado, além de vitória pessoal, se torna uma possibilidade artística. “Surf é como uma meditação, é inspiração, mas também, como todo esporte é empoderador, especialmente para mulheres porque é um desafio ser uma mulher no mar. São poucas e não é fácil. Gosto da ideia de ser e retratar mulheres fortes, desafiadoras e praticantes de esportes, nenhum pouco preocupadas em estar ali para ter um corpo bonito, mas porque faz sentido para elas”, descreve.

“Eu faço uma arte delicada, com tons pastéis, e também fala sobre empoderamento”.

Além da relação com o surf, ela anda de skate e, igualmente, sente a dificuldade de ser uma mulher praticando o esporte. “Surf, skate e outros esportes são lugares em processo de conquista ainda. Às vezes, na força. Muita coisa está sendo conquistado mas tem muito chão pela frente. Tudo isso é background para o meu trabalho artístico na ZIV Gallery”, afirma.

 

Fernanda Yamamoto: a escrita antes da pintura

Obra de Fernanda Yamamoto

Fernanda inspira-se nas experiências junto à natureza para criar suas obras

Antes de um quadro nascer – ou uma pintura em madeira ou parede – Fernanda busca refletir sobre suas experiências na natureza, especialmente no mar, depois escreve sobre os sentimentos, escolhe palavras-chave passíveis de criar elementos visuais e vai construindo a composição artística.

O rascunho começa em softwares de criação de imagens e depois vai para o papel. A designer busca referências, faz pesquisas e começa o processo de pintura, com uma paleta de cores pastéis, menos saturadas.

“Não consigo viver sem escrever”, confidencia. Então, naturalmente, a escrita foi parar no processo de criação artística de Fernanda.

 

Respiro na vida

Enquanto a moda muitas vezes responde às influências do mercado e às questões comerciais, a arte é um respiro para Fernanda. “Arte representa vida, respiro, fuga, segurança e liberdade ao mesmo tempo”. Sem deixar de ser, em alguns momentos, lugar de confronto, frustração e sofrimento, lembra também.

Na pandemia, começou a refletir sobre a arte como via de expressão, não apenas como questão comercial, como viu na faculdade. “Tenho buscado a linha de artes visuais e expressão, tentado encontrar meu traço, os meus sentimentos a transmitir”, conta.

Obra de Fernanda Yamamoto

A artista participou do painel coletivo da ZIV Gallery

 

No final do ano passado, foi convidada para fazer parte do painel coletivo da ZIV Gallery e aceitou o desafio de trabalhar em um suporte diferente – a parede da galeria. “Fui direto do trabalho para a ZIV, trabalhei o tema da Amazônia, ao lado de artistas incríveis. Fico sempre chocada com os artistas. Trabalhar ao lado de Sapiens, Ilka, Marcela foi um orgulho… admiro todos. Fiquei honrada e o resultado foi inacreditável.”

No dia a dia, a artista busca referências para seu trabalho em Henri Matisse, Beatriz Milhazes, Conrad Roset, além de uma série de ilustradoras botânicas.

Antes de todos esses artistas, Fernanda se inspirou no trabalho das avós Nina e Noemi, costureiras da família. “Desde pequena, gostei de desenhar. Pegava retalhos, sobras de tecidos, rendinhas para fazer roupinhas para as bonecas. Era uma criança caseira. Criava da minha cabeça e cortava no olho as roupas, costurava e inventava historinhas com as bonecas”.

Hoje, com arte e liberdade, trocou a costura por skate, prancha, quadros, madeiras, paredes, computador e passou a criar pinturas sobre a natureza e os desafios femininos, além de fazer estampas para tecidos com o objetivo de iluminar o mundo.

Conheça as obras de Fernanda Yamamoto na ZIV Gallery, galeria de arte no Beco do Batman, cujo propósito é criar oportunidades e gerar transformações com arte!

 

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A arte de Marcela Rodrigues na representação de mulheres plurais

A arte de Marcela Rodrigues na representação de mulheres plurais

Marcela Rodrigues

Artista digital da ZIV Gallery, Marcela Rodrigues

Van Gogh, Picasso, Monet… a escola proporcionou experiências marcantes  à paulistana Marcela Rodrigues, como conhecer museus, grandes pintores e apreciar obras, mas também intrigou a jovem sobre o motivo de não encontrar mulheres artistas, entre os grandes expoentes da arte. Logo ela percebeu: embora as mulheres  tenham criado obras fascinantes, seus trabalhos, assim como suas histórias, não receberam o mesmo destaque dos homens da mesma época.

Preocupada com essa indiferença, depois de um longo percurso, da escola à universidade, a artista digital da ZIV Gallery decidiu desenhar mulheres para tirar a expressão do feminino “de caixas” e inspirar mais mulheres a ocupar espaço na arte.

“Em um certo momento resolvi: todos os meus desenhos de formas humanas serão de mulheres, porque todas as formas de representação  feminina geralmente são elaboradas por homens e nos colocam em caixas, como se fôssemos padronizadas”, destaca em entrevista à ZIV. “Nós somos muitas em uma só.”

“Meu trabalho traz mulheres delicadas e ao mesmo tempo com expressão de força e atitude, com alguma sensualidade”, detalha a artista. Logo, ela também incorporou elementos da natureza aos trabalhos porque “semear, colher, dar frutos são máximas femininas.”

 

A arte de brincar sozinha

Marcela era uma desenhista contumaz na infância. Filha única, encontrou no desenho uma brincadeira para fazer sozinha e sem perturbar os pais.

Mandala

Uma das paixões de Marcela, as mandalas ajudaram a artista a encontrar novos rumos na vida.

A pequena desenhista cresceu, ganhou concurso de ilustração na adolescência e decidiu cursar publicidade para continuar explorando seu lado artístico, mas a realidade mostrou-se muito diferente. Além de não ter mais tempo para desenhar nesse período, trabalhar em agência de publicidade, por quatro anos, foi cansativo e pouco criativo. “Era um ritmo muito louco e apesar de gostar de trabalhar com criação, era muito podada, ficava engessada em meio a contratos e clientes”, conta.

Cansada física e mentalmente, Marcela pediu demissão do trabalho e fez um mergulho intenso e profundo em si mesma, especialmente quando descobriu a arte de desenhar e pintar mandalas. Começou a desenhá-las de forma espontânea, como hobby, foi pesquisando por conta própria seus significados, fazendo e refazendo círculos e camadas infinitas e simétricas, de forma muito intuitiva. Na mesma época, descobriu a meditação e as duas técnicas ajudaram a artista a voltar a desenhar com alma. “A arte é como meditação, precisa de tempo e atenção e é intuitiva como o desenho de mandalas”, explica.

Após as mandalas, passou a acrescentar mensagens e a explorar temas com os quais tem forte conexão, como a natureza. Foi aprofundando-se sozinha em diversas técnicas até sentir a necessidade de desenhar pessoas. Para essa nova etapa, buscou um curso de Anatomia para compreender as bases dos traços humanos.

Cada passo do novo momento, a artista publicava em seu Instagram, sem pretensões, e ia recebendo retorno positivo de amigos, familiares, conhecidos e inclusive das marcas citadas em seus posts.

 

Mistura de analógico com digital

Criação da artista digital Marcela Rodrigues

Mulheres fortes dão o tom das obras de Marcela Rodrigues

Munida de novas técnicas e decidida a retratar pessoas, Marcela sentiu necessidade de voltar-se para a expressão do feminino. Da plataforma analógica – papel, tela e tinta -, a artista passou para o meio digital, onde pode exercer melhor suas perspectivas de perfeição.

Atualmente, mescla com maestria os dois formatos em mulheres fortes, doces e profundas. Começa muitos trabalhos fazendo aquarelas em papel ou tela e depois transpõe para o digital. E quer ir além, para colocar à prova seu perfeccionismo de capricorniana, brinca, especialmente após o trabalho no painel coletivo da ZIV. “A arte é sempre um caminho, não é um ponto de chegada”, filosofa.

O painel da ZIV permitiu à artista elaborar melhor a imperfeição no digital. “Sabe aquele risco não totalmente certinho? A arte está nesse detalhe do momento.”

A paulistana destaca a participação do sócio da ZIV Gallery, Helder Kanamaru, em seu desenvolvimento artístico fazendo questionamentos inquietantes sobre perfeição e quem pode dizer: “isto é perfeito” ou “é imperfeito” e se sentiu acolhida com as novas reflexões.

“A ZIV foi abrindo portas e novas possibilidades. A história do painel foi um desafio importante, porque a maioria da galera pega spray e faz algo maravilhoso sem rascunho. Eu gosto de fazer rascunho antes, medir. Aí vieram Evandro e Keity, me inseriram nesse projeto lindo para o qual tive de subir em andaime para fazer minha parte. Nunca fiz isso na vida e esperei para ver como seria misturar tantos estilos e o painel ficou incrível. Está sendo uma possibilidade de troca e aprendizado muito grande”, conta. Ela desenhou a índia com folhas do mural interno da ZIV.

Marcela Rodrigues

Para Marcela, a arte é uma forma de comunicação

“Sou perfeccionista, mas estou aberta às propostas da arte e já considero usar o spray em meus trabalhos”, adianta.

Para Marcela, sempre tímida, a arte é uma forma de comunicação. A arte fala por ela. É um modo de expressar-se no mundo sem ter de falar, mas dizendo tudo.

Conheça as obras de Marcela Rodrigues na ZIV Gallery, galeria de arte no Beco do Batman, cujo propósito é criar oportunidades e gerar transformações com arte!

 

Galeria de obras da artista digital Marcela Rodrigues:

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Colab de Marcela Rodrigues e Francio de Holanda:

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Para Ilka Lemos, a arte salva nos momentos difíceis da vida

Para Ilka Lemos, a arte salva nos momentos difíceis da vida

Ilka Lemos

Ilka Lemos, senhora de sua arte e de seu destino

Escultora, pintora, fotógrafa, escritora, mãe e avó, entre tantos papéis, Ilka Lemos aos 63 anos é senhora de seu destino. Ilka é múltipla, tem muitas faces, é muitas em uma só.

Trilhar o caminho da arte não foi fácil para a menina de Araçatuba, interior de São Paulo, sonhadora, criativa e visionária, em uma época na qual ser artista era visto como brincadeira ou com preconceito por algumas famílias.

“Nasci artista. Vim ao mundo com esse ‘defeito’”, brinca, durante entrevista à ZIV Gallery. “Vim a este mundo olhando para as cores, vivendo no mundo da imaginação. Brincava sozinha com as cores, sempre desenhando para me expressar.”

Ilka percebeu muito cedo a dificuldade de trilhar o caminho da arte. Entrou antes dos seis anos na escola e, logo na primeira série, a professora pediu para os alunos escreverem uma composição sobre o pai. Ela preferiu desenhar.

“Eu via meu pai como um homem muito grande, muito bravo, muito vermelho. Aí peguei meus lápis de cor e pintei um pé de pimenta. Era uma árvore bonita com pimentinhas vermelhas, raízes e tudo. Quando a professora viu o desenho, castigou-me com uma espécie de régua de madeira (palmatória). Lembro até hoje daquela madeira batendo no meu braço curtinho. Naquela época, os professores castigavam as crianças. Tudo porque eu não podia ter desenhado meu pai daquele jeito”, narra a artista com jeito altivo e grato, apesar das dificuldades.

Ao chegar em casa, ainda foi repreendida pela família.

 

Ilka Lemos: comunicação pela arte

Ilka Lemos na infância

Ilka Lemos na infância

A escola era um ambiente um tanto inóspito para uma criança de pensamento crítico e voltada para as artes. “A vida inteira minha forma de comunicação foi pela arte. Tive muita dificuldade na escola. Minha irmã mais velha era a primeira em tudo. Eu, na visão da época, era a última. Para tudo eu desenhava. Eu nunca reprovei, estudava, me dedicava, mas não seguia o ideal daquele tempo. Era o patinho feio, a inquisidora”, descreve.

“A caixa de lápis de cor, presente de uma tia aos 5 anos, os fascículos da coleção ‘Conhecer’ e os livros de papai eram meus amigos”, lembra. Também tinha mania de recortar e colar tudo ao seu redor, inclusive cortar as bonecas em pedaços para ver o interior e remontar depois, caso fosse possível.

 

Novo começo no Mato Grosso

Desde a infância, Ilka falava em ser artista, de estudar formalmente artes, mas na metade da década de 1970, em meio à ditadura, a família não aceitou a opção da jovem de seguir a carreira artística, ela acabou casando e indo morar no Mato Grosso, aos 18 anos.

Não se deixou dobrar e mesmo com outros afazeres importantes para a época, desenhava, retravava todos ao seu redor e aprendia sozinha sobre arte e o fazer artístico. Criou os filhos, ajudou a cuidar das crianças da fazenda onde morava, fazia hortas, criava pomares e em nenhum momento deixou de desenhar.

Com os filhos adultos, resolveu estudar seu ofício de alma e começou a viajar para São Paulo e frequentar o curso de Sérgio Fingermann, a quem considera um provocador da arte no artista. “A arte é uma busca de cada um, não tem como ensinar”, expressa.

 

Ilka Lemos: artista em tempo integral

Ilka Lemos

Artista múltipla, Ilka Lemos é escultora, pintora, fotógrafa e escritora.

Perto dos 40 anos, decidiu se separar e mudar definitivamente para São Paulo, onde passou a dar aulas e montou um ateliê. Começou a estudar fotografia, comprou uma máquina fotográfica e um computador. Depois foi fazer esculturas e mais tarde estudou cinema e trabalhou com videoarte.

Depois de tanto tempo impedida de ser e fazer arte, sua sede de aprender e ser artista é como a necessidade de respirar. “Arte é todo dia reaprender. Eu abro os olhos e começo a minha arte, de respirar, de escrever, de falar sobre arte, de viver e de me manifestar nesse mundo”, aponta.

Para aprender novas expressões artísticas, Ilka, além de estudar, se unia a pessoas da área para beber da fonte da experiência.

 

A arte salva

Arte, diz ela, é essencial para a vida por isso em momentos tão duros como a pandemia atual do novo coronavírus ou nas guerras, as pessoas fazem arte, para sobreviver à dureza da realidade. “O afastamento da arte nos torna rígidos, frios, robóticos. A arte nos salva, a cultura nos salva”, ensina.

Durante a pandemia, voltou à sua cidade natal, e se despiu de muitos conceitos: “raspei a cabeça e me vesti de arte”. Em 2020, trancada em casa, com todo cuidado sanitário, comprou 300 quilos de argila e muitos rolos de tela e produziu mais de 30 esculturas, além de 40 telas.

No retorno a São Paulo, também com todo cuidado, em dezembro do ano passado, foi convidada para participar da criação do painel coletivo da ZIV Gallery e se apaixonou pela arte dos jovens criadores da galeria.

Obra de Ilka Lemos

Obra de Ilka Lemos

“Sempre disse: minha obra é para a rua, para o povo no ônibus, no metrô. Nunca gostei de galeria até conhecer o propósito da ZIV e trabalhar com esses artistas. De tantas experiências ao redor do mundo, estudando, aprendendo e expondo muitas vezes, o maior presente foi pintar e trabalhar com os artistas da ZIV. Em breve, quero estar nas ruas com eles. É uma verdadeira fonte da juventude conhecer e viver a arte dos artistas da ZIV”, conta, aguardando a pandemia passar para ir para as ruas, fazer arte.

Com uma trajetória de vida de começos, rupturas e recomeços, de coragem, determinação e reinvenção, Ilka traz em suas pinturas traços fortes e formas igualmente potentes na escultura. Sua série de esculturas sobre guardiões, por exemplo, perpassa pela dor da alma. “O artista cria, mas a arte é feita pelo olhar do outro, de quem vê, observa, sente e ressignifica a obra”, explica.

 

Singularidade respeitada

Ser mulher no mundo da arte já representou dificuldade, como na infância e adolescência de Ilka, mas isso ficou para trás. “Quebrei todos os tabus, venci os preconceitos porque a arte une todos, em qualquer tempo”, elucida. “Somos únicas e queremos nossa singularidade respeitada.”

“Sou muito feliz porque respiro arte e minhas netas podem tudo. Eu também posso tudo, depois de muita luta, por isso, inclusive tatuei uma libélula nas costas, minha primeira tatuagem”.

A imaginação e a criatividade foram o combustível da pequena Ilka e são a fórmula da resiliência e juventude desta artista de muitas faces e talentos, mais uma vez se renovando aos 63 anos.

Conheça as obras de Ilka Lemos na ZIV Gallery, galeria de arte no Beco do Batman, cujo propósito é criar oportunidades e gerar transformações com arte!

 

Galeria de obras de Ilka Lemos:

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